Desenvolver a cultura é fundamental! Entrevista com o Secretário Nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares

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Por: Marlon Marques

Recebemos essa semana em nossa sede do PTRJ o Secretário Nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares. Mestre em História e doutor em arte, ele escreveu inúmeros ensaios e artigos em que detalha como através da memória se materializam as expressões de arte, audiovisuais e exposições de museus em todo Cone Sul. Gentilmente nos cedeu essa entrevista contando suas últimas experiências como militante do setor de cultura, e as novas expectativas e desafios na criação dos Comitês Populares de Cultura e Luta.

 

  • Queria que você começasse falando um pouco sobre a sua trajetória pessoal e como que se tornou militante do Partido dos Trabalhadores e secretário nacional?

Sou filho de metalúrgico do Rio Grande do Sul, a minha família não é de dirigentes partidários, mas sempre teve muita participação na militância pelo PT. Eu cresci em um ambiente em que o PT transmitia muita esperança. Era um momento em que o partido crescia muito no Rio Grande do Sul. Governávamos Porto Alegre e governamos o Rio Grande do Sul, no final da década de 90. Esse foi um ambiente importante, de construção política. Então o PT, desde muito cedo sempre esteve muito próximo da minha vida. Mas eu só ingressei no partido mesmo quando já estava na universidade. Na graduação eu fazia parte do movimento estudantil, era um momento importante em que lutávamos pelo REUNI, a expansão das universidades e havia naquele ambiente de muita efervescência política. Então foi nesse período que me encontrei com o PT e entrei no partido, acho isso muito bacana, por que o PT de alguma maneira se transformou em uma segunda universidade. Nós temos conhecimento acadêmico, teórico e isso é fundamental do ponto de vista profissional, de visão de mundo. Mas o encontro com o partido me fez ter uma relação popular, passei a me encontrar com as comunidades, isso faz com que você compreenda a complexidade da realidade que nos cerca. Dessa forma, militar no partido foi algo muito importante e o lugar que eu encontrei no PT para lutar foi a área da cultura. Quando Tarso Genro, venceu as eleições para governador em 2010, eu fui escalado para cuidar da área da cultura sendo diretor da secretaria de cultura, do Memorial do Rio Grande do Sul e do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Naquele momento, eu já estava fazendo uma transição para área de História da Arte e da curadoria. Em 2015, tive uma experiência incrível, fui curador da X Bienal do Mercosul, tive a oportunidade de conhecer o ambiente artístico da América Latina. Foi uma bienal dedicada ao nosso continente. Infelizmente, logo em seguida veio o golpe e daí fui convidado para ir para Brasília e atuar na Comissão de Cultura da Câmara. Nessa época fiz a coordenação da assessoria do presidente da comissão que era o deputado Chico D`Ângelo, que fazia parte do PT. A cultura, naquele momento, se transformou em um espaço importante de resistência. Fizemos uma série de mobilizações contra os desmontes e os ataques a política de cultura. Dois anos depois, em 2017, foi quando concorri à secretaria de cultura do partido e venci. Por isso eu digo que meu encontro com o PT e com o setor cultural aconteceu de uma forma bem orgânica se entrelaçando um pouco na minha trajetória.

 

  • Gostaria que você falasse um pouco sobre o que espera dos Comitês de Cultura e Luta, como está sendo organizada essa iniciativa a nível nacional?

Estamos nos preparando para uma campanha que vai ser muito difícil. Vivemos um momento em que a democracia no Brasil foi muito maltratada, temos um governo que não só flerta com o autoritarismo, mas instrumentaliza o assédio e a democracia. Esses comitês serão uma forma do PT começar a reforçar seu movimento de enraizamento territorial setorial, organizar a população, organizar os setores e fazer com que a gente tenha uma porosidade cada vez maior com o povo brasileiro. Isso vai ser fundamental para que a gente faça de 2022 o ano da recondução de Lula e da retomada da democracia, do desenvolvimento, dos direitos, da cultura e das políticas culturais. Os comitês serão instrumentos fundamentais para isso. Queremos construir 5.000 comitês até maio. Lançar o primeiro comitê de cultura na Mangueira, na comunidade, no lugar de resistência, no lugar fundamental para o samba brasileiro, num espaço tão simbólico daquilo que almejamos priorizar, é muito simbólico. Nós queremos construir uma relação muito orgânica nas comunidades, nos núcleos e nos espaços de militância mais diversos. Espero que consigamos construir com essa iniciativa uma sociedade mais mobilizada para as causas que defendemos. Então acho que esse é um movimento elementar, central, que a gente está construindo.

  • Falando um pouco sobre uma possível eleição do presidente Lula, o que você pensa ser importante para reconstruirmos as políticas públicas de cultura abandonadas pelo governo Bolsonaro?

Bom, o nível de perseguição ao setor cultural que vivemos nesse momento é inaudito. Assim, mesmo em períodos em que estávamos em regimes autoritários, não havia um ataque tão frontal às instituições culturais e um tratamento tão bestial da cultura e de seus fazedores como no governo Bolsonaro. Tanto é que uma de suas primeiras medidas como presidente foi extinguir o ministério da cultura e o rebaixar a uma secretaria que, na verdade, tem a função de desmontar as políticas culturais e asfixiar as possibilidades de produção de cultura no país. O presidente Lula já assumiu o compromisso de recriar o Ministério da Cultura e de reforçar a constituição de um novo ciclo de políticas culturais. Temos falado muito que a cultura não é parte do problema, ao contrário, ela é parte da solução dos problemas dos brasileiros. Quando falamos de um momento de crise, como a que estamos vivendo agora, a cultura tem a capacidade para atrair investimento e dar um retorno fundamental em termos de retomada da renda, do emprego, das possibilidades de reencontro das pessoas com um ambiente social mais saudável. A gente sabe que a cultura tem impactos muito relevantes, vimos agora com a pandemia, quantos trabalhadores e trabalhadoras foram afetados pelo desmantelamento de apresentações, espetáculos e exposições. Nós queremos a retomada de uma estrutura de ministério para fazer uma política cultural forte, com muita participação dos fazedores de cultura. Esse é o jeito que a gente tem de governar e de fazer política. É fundamental pensar num horizonte de futuro para o país da gente, pensar no projeto de desenvolvimento, até por que quando falamos em desenvolvimento, temos que falar do horizonte da criatividade, do futuro que isso impõe. Estamos na fronteira daquilo que os economistas chamam de 4° Revolução Industrial, a economia da cultura pode gerar milhões de oportunidades para os jovens brasileiros talentosos e criativos que, nesse momento, estão sendo desperdiçados por falta de apoio e cuidado do governo Bolsonaro. Não temos como falar de soberania nacional sem levar em conta nossas identidades e as mais diversas expressões culturais que nos atravessam. É isso que o presidente Lula tem falado em cada entrevista e que anima o nosso horizonte.

  • Sabemos que o setor cultural foi bastante afetado durante a pandemia. Uma pesquisa da UNESCO contou que 41,8% dos trabalhadores da cultura perderam completamente suas fontes de rendas. Algumas iniciativas dos parlamentares do PT mitigaram esses efeitos, como a lei Aldir Blanc, da deputada Benedita da Silva, e agora a lei Paulo Gustavo proposta pelo senador Paulo Rocha. Como você tem acompanhado esse movimento que ameniza parcialmente os efeitos de destruição econômica do setor?

Estávamos agora mesmo falando a respeito desse desmonte das políticas culturais, que é um processo que, de fato, se iniciou em 2016 com o golpe contra a presidenta Dilma. Ali as políticas começaram a ser desmontadas e, com o Bolsonaro, esse processo foi aprofundado e alimentado por uma guerra cultural que a extrema direita travou e disseminou na opinião pública. Então quando a pandemia chegou o setor cultural já estava completamente desprotegido de instrumentos que pudessem dar guarida numa situação que evidentemente iria afetar duramente o setor. Por que quem atua na cultura depende muito do contato com o público, então no momento que entramos no universo pandêmico e que para a proteção da vida das pessoas era necessário que se fizessem medidas de isolamento que foram importantes e fundamentais, o cenário de escassez econômica da cultural se agravou. A cultura foi um dos primeiros setores que parou suas atividades e um dos últimos que tem retornado ao trabalho. Além disso, o setor há muito tempo é marcado pela precarização do trabalho. O Michel Temer fez uma reforma trabalhista em 2017, que afetou a todos nós. Mas o trabalho intermitente, a mobilização de contratos por projeto, mês e etc, é o universo comum de quem atua no setor cultural. Então quando você para de trabalhar, não tem seguro desemprego, não tem segurança laboral. O resultado disso, foi o que aconteceu, milhões de pessoas sem renda, sem emprego e em uma situação dramática de vida. Nós imediatamente, quando identificamos esse drama, contatamos a Benedita que era presidente da Comissão de Cultura da Câmara. Ela abriu esse espaço para discutirmos uma lei emergencial que desse guarida ao setor de cultura. Assim construímos a lei Aldir Blanc, que foi um movimento cívico da cultura, inclusive um movimento de aprendizado para que o nosso setor se organizasse se tornando também um grande e efetivo movimento social. Nós aprendemos com essa experiência a lutar pelos nossos direitos e conquistas. A lei Aldir Blanc, foi fundamental para a recuperação de emprego, renda e garantiu um acervo de produção cultural muito importante. Por que ela é uma lei que foi descentralizada na sua execução em Estados e municípios. Dessa forma em cada rincão, em cada município, tivemos fazedores de cultura com acesso a esse instrumento. Só que sabemos que a pandemia ainda não acabou, estamos no meio dessa onda da Omicron, que segue afetando o setor da cultura. Foi nesse sentido que a bancada do PT propôs a lei Paulo Gustavo, para que tivéssemos uma nova rodada de investimentos no setor da cultura de forma emergencial, recuperando os recursos do fundo nacional de cultura que, inclusive, estavam em risco de serem perdidos para o setor financeiro. A aprovação dessa lei é um marco importante da nossa luta, da nossa articulação. O nosso relator José Guimarães, do PT do Ceara, fez um esforço enorme para que essa lei fosse votada e aprovada. Nós conseguimos organizar o movimento através dos comitês Paulo Gustavo e o PT deu um grande suporte na organização da sociedade civil. Com esses recursos chegando na ponta, temos condições de mitigar essa situação, inclusive, nesse último ano de governo Bolsonaro. Com Lula vamos tornar a política cultural algo sedimentado. Temos que cuidar do setor de cultura, do investimento, valorização dos espaços artísticos e dos fazedores. Então acho que o PT mostrou suas intenções e que também segue sendo um partido que tem muito zelo pela cultura e reúne uma inteligência de gestão capaz de pensar em instrumentos como esses, que foram muito resolutivos no momento, muito efetivos para quem produz cultura.

  • Já que você tocou no tema da guerra cultural, eu queria que falasse um pouco sobre o papel civilizatório da cultura, que foi um tema bastante premente na campanha do Fernando Haddad. E que comentasse também sobre qual a centralidade desse setor para criar consciência crítica na sociedade, para não ficarmos a mercê, por exemplo, de círculos de mentiras como acontece com as Fake News espalhadas pela extrema direita.

A cultura é um espaço fundamental quando se pensa em fortalecimento da democracia, em ampliação do horizonte democrático e construção de uma sociedade marcada por um ambiente de paz, de convívio, de respeito entre as diferenças. A cultura é um elemento central dessa dimensão de formação da cidadania. É por isso que a extrema direita, inclusive, escolhe o setor cultural como um alvo preferencial dos seus ataques. Por que a cultura é um ambiente permeado por esse pensamento crítico que valoriza a diferença. O pensamento autoritário da extrema direita tenta homogeneizar o país. Todos aqueles que estão fora daquilo que pensa o governo, daquilo que pensam os agentes políticos da extrema direita, do bolsonarismo, esses todos são taxados como inimigos a serem eliminados do espaço público. Esse desmonte das políticas culturais aconteceu por que a “guerra cultural” se transformou numa política de governo, eles querem asfixiar o setor e transforma-lo em algo inviável para o país. Assim, as vozes destoantes não terão a possibilidade de emergir na cena pública. Então você investe contra o teatro, investe contra a música, investe contra exposições, investe contra tudo aquilo que se abre para um horizonte diferente do que o governo tenta implementar como visão do que é o Brasil. O Brasil é muito mais do que o bolsonarismo, o Brasil é um país marcado pela diferença, um país multirracial, um país com grande diversidade regional. É um país de muitas culturas e precisamos entender que o grande potencial que existe aqui é o nosso povo, é a nossa gente, é a criatividade das nossas pessoas. Então, a cultura entra como um vértice fundamental para que reformulemos a nossa ideia sobre a educação. Por que a educação não pode ser uma educação exclusivamente tecnicista, ela precisa fomentar a formação dos cidadãos e conseguir dar uma formação de linguagem para habilitar as pessoas ao pensamento crítico, para que tenham um olhar próprio da sociedade. Isso é parte do que você falou, inclusive, sobre as Fake News. Quando falamos de formação cultural e educação tem a ver com isso. Quanto mais as pessoas são formadas, desenvolvem suas linguagens e são estimuladas para ir ao encontro com a produção cultural, mais elas vão ganhar repertório para rebater o vídeo do WhatsApp de narrativa mentirosa. É assim que as Fake News ficam mais difíceis de serem disseminadas, por que as pessoas têm mais instrumentos para entender a situação, e distinguir a mentira e a verdade. Inclusive também de se posicionar como cidadão. É preciso formar para construção de uma cidadania democrática e livre. Com certeza a cultura tem parte fundamental nisso. Qual a política de segurança de Bolsonaro? Bala, tiro em preto, fechamento de comunidade e criminalização da pobreza. É esse o horizonte de políticas de segurança do bolsonarismo: transformar uma sociedade que já é extremamente dividida, desigual e profundamente violenta em uma sociedade ainda mais dividida e ainda mais violenta. Agora se você tem a cultura no centro, numa política de segurança por exemplo, a situação muda. Basta olharmos a cidade de Medelín na Colômbia, que investe 9% do seu orçamento em cultura e que se transformou, em 20 anos, de uma cidade que era marcada pelo tráfico e pela violência no exemplo mundial de integração das comunidades. No Rio de Janeiro, se tivéssemos uma política nesse sentido, com o manancial de expressões que existem aqui, certamente se transformaria num dos polos globais de produção e de emergência de novas manifestações de cultura. Assim como todas que vieram e que formam a base da estrutura brasileira: o samba, o maracatu, o frevo, são manifestações do povo e quando a gente tem estrutura e apoio isso emana de forma mais intensa. Acho que esse caminho está sendo entendido agora, acho que depois de anos de luta o PT está muito consciente de que a transformação da vida material e da condição de vida das pessoas é fundamental. Nós precisamos levar comida, precisamos levar o acesso à educação, à saúde. Mas a gente precisa cuidar da alma do nosso povo, para não sermos ameaçados por um Bolsonaro, logo ali adiante, em outro momento. Desenvolver a cultura é fundamental.

 

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