Entrevista com Edson Santos

Lula transforma limão em limonada com criação do ‘Ministério do Empreendedor’ 
31/08/2023
Arthur José Poerner, o intelectual da juventude e da esperança
04/10/2023

por: Brenda Pereira e Marlon Marques 

Nesta entrevista exclusiva com Edson Santos, vereador da cidade do Rio de Janeiro, mergulhamos em sua notável trajetória política e nas perspectivas que moldam seu compromisso com o serviço público. Com uma carreira que abrange décadas de engajamento político e social, Edson Santos compartilhou conosco as raízes de sua jornada na política, marcada por um profundo desejo de promover justiça social e igualdade.

Ao longo da conversa, exploramos os desafios que enfrenta em seu atual mandato como vereador, desde questões de segurança até cultura e mobilidade urbana, e os projetos que têm trabalhado incansavelmente para implementar na cidade. Suas iniciativas buscam aprimorar a qualidade de vida dos cariocas, focando na inclusão social.

Além disso, Edson Santos compartilha suas expectativas para o futuro governo Lula, delineando como a nova administração pode impactar o Rio de Janeiro. Por fim, abordamos os desafios enfrentados pelo Partido dos Trabalhadores sob sua perspectiva como membro ativo, explorando estratégias para fortalecer a legenda e enfrentar questões como a polarização com a extrema direita. Edson Santos oferece uma visão esclarecedora sobre o cenário político atual e o papel fundamental que desempenha na construção de um futuro mais justo e inclusivo para o Rio de Janeiro.

1- Queria começar perguntando sobre sua trajetória política, como é que você começou na política, o que te despertou para esse universo ?

Bom, eu comecei a fazer política estudantil no final da década de 70, participando do Congresso de Reconstrução da UNE. Fui vice-presidente da União Estadual dos Estudantes e depois fui fazer parte do movimento comunitário na Cidade de Deus, onde fui exercer também a presidência do conselho de moradores da cidade de Deus. Lá nós desenvolvemos uma luta por habitação para parte da comunidade. E, em 1988, fui eleito vereador, aí começa a minha história na política mais institucional, digamos assim.

2- Você diria que em algum momento se pensou como um parlamentar? 

Quando eu comecei  naquela época, entrei para fazer uma tal revolução. O que nos movia era a transformação da sociedade de uma forma radical. Nós ainda tínhamos uma ditadura militar e lutar pelo fim dela e pelo direito de se organizar e se expressar livremente foi a tônica daquele período.

Com o fim da ditadura e o advento do governo Sarney, a liberdade se estabeleceu e começamos a nos organizar de forma partidária. A política vai mudando um pouco de sentido, pois começamos a enxergar que é possível fazer mudança no Brasil a partir da ação institucional, por dentro das instituições brasileiras. É óbvio que isso não é uma questão simples, não é uma questão fácil, por que a elite domina esse país há séculos, mas existe a possibilidade e aí está Luiz Inácio Lula da Silva para nos mostrar como é possível isso. 

3- Falando ainda sobre o seu ingresso na política, você estudou sociologia na Uerj, como as leituras naquele período influenciaram sua trajetória?

Eu defendo que a teoria orienta a nossa ação, sou muito adepto da leitura até hoje. Por isso, sempre estou lendo sobre assuntos variados. Naquela época, as maiores referências eram Marx, Engels e Lenin, havia até mesmo discussões sobre quem citava mais esses teóricos. A minha formação passou muito por aí, me interessava bastante a história do movimento operário. Depois me encantei pela história do Brasil de modo mais geral. Eu acho que temos uma república inacabada, no nosso país a república é apenas para alguns dada a exclusão de grande parcela da população que não tem direitos. 

4- Essa característica da desigualdade social é uma marca do Brasil e principalmente do Rio de Janeiro.  A mobilidade urbana é um dos fatores mais evidentes dessa condição, muitos cariocas hoje permanecem sem direito à cidade. O seu mandato vem enfrentando essa dura realidade, por exemplo, com ações como o manifesto da mobilidade urbana. Qual a importância dessa iniciativa ?

Antes de entrar no tema da mobilidade urbana, você vai me permitir falar um pouco dessa situação da desigualdade. A desigualdade no Brasil deriva principalmente do nosso período de escravidão. Os libertos, em 13 de maio de 1888, não tiveram acesso a direitos que a república deveria ter assegurado. Todos precisavam ter direito à educação, ao trabalho digno, à moradia, à saúde, à segurança e etc. Mas isso não aconteceu e gerou um quadro de desigualdade que perdura até hoje. Como o Rio de Janeiro é uma cidade onde há uma convivência entre São Conrado e Rocinha, Cidade de Deus e Barra, então isso acaba ficando bem evidente. Basta olhar pro lado e você vê a miséria, olhando pro outro você vê a opulência. 

Entrando na questão da mobilidade, a cidade deveria ser para todos mas não é. Uma pessoa perder 4 horas por dia para se deslocar na cidade seja para o que for, é uma indignidade. Eu sempre me interessei pelo tema do transporte, mas depois evolui e passei a tratar de mobilidade, pois não é só uma questão de transporte, é como você se move na cidade, pode ser de ônibus, metrô, bicicleta ou a pé. Nós temos que oportunizar um modal conectado ao trabalhador carioca. O que você assiste são os ônibus em condições péssimas, o trem não funciona, as calçadas estão deterioradas, então é um conjunto de mobilidade falido. 

Pensar em mobilidade, é se atentar para esse conjunto de coisas, é refletir sobre a necessidade de uma cidade que tenha ciclovias, por exemplo. Os jovens estão se arriscando de bicicleta para  trabalhar, fazer entregas nos aplicativos, como eu torno essa situação mais segura, é pensando em mobilidade?

É preciso organizar a cidade em todos os aspectos colocando o pedestre como prioridade, em segundo lugar aqueles que usam transporte coletivo. O carro deve ser nossa última prioridade, porque é mais poluente, individual e ocupa um espaço enorme na cidade. O transporte público precisa funcionar, ele garante qualidade de vida e vai melhorar a vida de todos. Se você tem um esquema de mobilidade que funcione, vai começar a evitar o carro, vai andar mais de ônibus, metrô e trem. Isso diminui o volume de veículos circulando e até mesmo os acidentes. 

Outra coisa são as tarifas, se nós organizarmos é possível reduzir os preços. Eu acho que as cidades do mundo precisam trabalhar com a perspectiva da tarifa zero. As pessoas precisam ter condição de se deslocar na cidade sem esse custo que pode ser muito bem diluído. Dou sempre o exemplo dos condomínios, você pega elevador de um andar para o outro e não precisa pagar uma tarifa, porque todos os moradores já pagaram por esse serviço. No caso da cidade todo mundo tem que contribuir, mesmo que não utilize o coletivo. Eu sou presidente de uma comissão especial na Câmara e estou me esforçando para colocar essas ideias em prática, acredito que uma cidade como o Rio de Janeiro não pode sofrer tanto com a mobilidade urbana como acontece. 

5- Você é líder do PT na Câmara, como tem sido exercer esse papel e como é combater a direita no parlamento carioca?

Olha a direita no Brasil tem seu berço no Rio de Janeiro. É bom dar nome, é a direita bolsonarista, essa a gente precisa derrotar. Ela vai além do Bolsonaro, trata-se de uma prática da ignorância na política, o bolsonarismo é isso.  Então nós temos que derrotar isso aqui no Rio de Janeiro se comunicando com a população para que ela reconheça  o mal que o bolsonarismo representa para a sociedade. Quando o cara fala pra não tomar vacina, pra população se armar, ele causa a morte. Eu tenho como missão derrotar esse pessoal, na Câmara e na sociedade em geral. Junto a essa missão, eu também quero mostrar que o PT é o partido que pode construir uma cidade que garanta bem estar para todos. 

6- Você falou com a gente um pouco sobre a questão da desigualdade social no Rio de Janeiro. Voltando nesse tema, gostaria de saber como tem sido atuar para garantir o direito de trabalhadores precarizados como é o caso dos camelôs?

Olha, o grande problema é que a questão dos camelôs muitas vezes é vista apenas pela lógica do controle urbano. Eu acho que nós precisamos organizar as atividades e não punir, inibir o comércio, confiscar mercadorias, isso não ajuda.  O centro da política urbana eficiente tem que ser garantir o espaço para o ser humano. O comércio ambulante, às vezes, é a única alternativa que restou para o cidadão e cidadã para levar alimento de forma digna para sua casa. Se enxergarmos dessa forma, começamos a propor alternativas de ordenamento mais humanizadas. Não dá para a prefeitura chegar com a guarda municipal, agredindo, expulsando, apreendendo mercadoria. Eu fui até a rua Uruguaiana e teve uma ação assim na semana passada, isso gerou muita crítica até do comércio formal, que teve que fechar as portas por conta da confusão, ou seja, é só prejuízo para todo mundo. É preciso ter uma visão de organização, não de repressão em relação ao comércio ambulante.

7- Vamos falar de governo Lula? Você foi ministro de igualdade racial e até hoje essa é uma das pautas mais importantes do seu mandato. O que você acredita que precisa ser prioridade do governo em relação ao combate ao racismo? 

A gente tem que ver isso como um processo. Umas décadas atrás, a universidade tinha poucos negros e negras. Hoje, há um avanço nesse sentido graças a lei de contas, a porta de entrada está sedimentada. Agora é preciso ter a porta de saída, que é exatamente a empregabilidade dessas pessoas. Eu acho que chegou a hora de vermos negros e negras nas direções de multinacionais, de empresas importantes, em cargos de destaque. Esse é o desafio que está colocado pra nós nesse momento. 

O governo Lula já apontou alguns caminhos. Eu gostei muito quando nosso presidente escolheu um negro para ser diretor do Banco Central, que é o coração do setor financeiro no Brasil. Isso eu acho que estimula outros setores, principalmente o setor privado, a enxergar a potencialidade de jovens negros e negras que saem das universidades. Eles podem ser não apenas operadores, mas também estrategistas e diretores das instituições. Eu acho que ter negros e negras definindo estratégias em grandes empresas, no setor público é fundamental. Mas não basta ser negro, tem que ter também uma visão progressista do mundo para emancipar outras pessoas. 

Outro desafio que também está colocado é o da violência. É preciso construir uma política de segurança que não criminalize os jovens negros. Você pega os dados das mortes violentas, a maioria são de jovens negros. Isso revela a exclusão do jovem negro que vai pra escola, mas não encontra lá uma saída e acaba cooptado pelo crime organizado. Isso acontece por omissão do Estado em cumprir com a sua função social, não é? 

Ocorre também que as forças de segurança enxergam nesses jovens negros o seu inimigo, às vezes atira pra depois perguntar e saber em quem atirou. Eu acho que essa questão da violência contra a juventude negra é uma coisa que está colocada na ordem do dia, é um problema estrutural e nós não podemos permitir que o Brasil mostre esse quadro de violência e extermínio. 

8- Você preside a comissão de cultura e tem acompanhado a retomada dos investimentos que o governo Lula está fazendo no setor, como tem sido organizar esse processo aqui na cidade do Rio?

Tem sido muito importante essa retomada, nós já realizamos eventos de formação para que as pessoas possam aprender a acessar os editais. É um novo momento, conversei por exemplo com João Jorge, o novo presidente da Fundação Palmares, que é um homem negro que valoriza nossa cultura, eles estão reconstruindo tudo por que a herança do bolsonarismo é de devastação. Foi um momento triste em que um legado acumulado de mais de 30 anos foi totalmente destruído. A reconstrução de órgãos como esse representam uma retomada da cidadania. Agora, vai demorar um tempo para colocar tudo em ordem, é como diz o ditado: para destruir é muito rápido, agora para construir é muito difícil. Então todo mundo está se empenhando muito nessa retomada da cultura. O governo está enfrentando uma tarefa hercúlea que é a de restabelecer o Estado, é a partir dessa reconstituição que novos projetos irão nascer. 

9- As eleições municipais estão chegando, eu queria que você comentasse um pouco sobre a expectativa que tem desse pleito, e quais estratégias você acha que o PT deve adotar para ampliar sua bancada na cidade?

Eu acredito que tem muita água pra passar embaixo da ponte, o governo Lula ainda não fez nem um ano, mas está indo muito bem. E eu acredito que o Lula vai ter um papel importante nessa eleição. O bolsonarismo continua sendo nosso principal adversário, mas em primeiro lugar nós precisamos construir as condições para elegermos um prefeito sintonizado com a perspectiva da nossa frente ampla. O Eduardo Paes foi um defensor e entusiasta da candidatura de Lula, no segundo turno ele foi fundamental para reduzir a distância entre Lula e Bolsonaro aqui no Rio de Janeiro. Agora na próxima eleição nós precisamos fortalecer o PT, é um exercício complicado porque ao mesmo tempo que estamos com Eduardo, nós também queremos manter a identidade do nosso partido. Então, questões como as que nós abordamos aqui precisam ser abraçadas por um futuro governo Paes. Nós podemos ajudar o prefeito a se posicionar mais no campo de centro esquerda e ao mesmo tempo temos que imprimir uma marca do PT já neste atual mandato. Acredito que assim vai ser possível aumentar a bancada do PT na Câmara Municipal. 

10- Uma última pergunta antes de encerrarmos nossa entrevista. Por que você acredita que os brasileiros e cariocas devem continuar acreditando no Partido dos Trabalhadores?

O PT é a grande novidade na política brasileira. Grande novidade, pois é um partido que tem um compromisso com os trabalhadores, está organizado em todo território nacional e tem um projeto de emancipação para os pobres desse país. Ele é fundamental para termos um estado de bem-estar para a população. Nós não podemos admitir que o Brasil seja governado para poucos. O Brasil precisa ser um país de todos, como dizia o primeiro lema do governo Lula. Esse é o motivo pelo qual eu digo aos companheiros e companheiras que o PT tem um efeito transformador na sociedade brasileira, tanto quanto se refere aos direitos da população, como no fortalecimento do estado para cumprir com sua função de garantir a soberania. 

 

Os comentários estão encerrados.