Por João Paulo Cunha
Publicado originalmente no Brasil 247
Vivemos tempos sombrios!
Hoje, mais uma vez, você caminhará na direção de seus algozes. Provavelmente eles não olharão em seus olhos. As meninas de suas íris terão brilho e encararão a toga amarrotada de vergonha.
Eles, juízes de uma causa só, olharão de esgueiro para as câmeras de TV e disfarçadamente fecharão suas pálpebras avermelhadas pela injustiça. Mas se manterão falsamente firmes.
E você empurrará o cabelo para trás e lembrará da bandeira do Brasil, da estrela do PT e do dia primeiro de janeiro de 2003.
Você não abaixará sua cabeça!
Você será culpado por sonhar um Brasil para seu povo. Por organizar um partido que mudou a história do país e por um governo que devolveu aos trabalhadores o lugar de sujeito na história.
Você será declarado perigoso porque foi altivo, estabeleceu relações solidárias e companheiras e soube juntar gente para formar coletivo e andar por caminhos abertos pelas próprias mãos.
Escreverão com caneta vermelha que tu és um transgressor desde muito jovem. Que não respeitou a ordem, que pegou em armas e consolidou um pensamento de solidariedade entre os povos.
Será acusado de ter amizade com os sem terra, de formar dirigentes partidários, de ser companheiro dos sindicalistas e defender as mulheres os negros e a comunidade LGBT.
É causador de uma vitória espetacular chamada Lula, de construir um governo com a cara do Brasil real e implantar programas revolucionários para o momento do país.
Será incriminado por gostar da juventude e reconhecer nela o vigor das mudanças.
Camarada Zé Dirceu, és meu companheiro de muitos anos. Carregamos muitas bagagens. Brigamos, divergimos, mas o resultado foi sempre a soma. Fizemos planos, tabelamos e muita coisa deu certo.
Sofremos a solidão da cela, o desterro das ruas, a frieza de quem ficou e a amargura dos dias sem sol. Mas não desanimamos nem nos entregamos. Nos escoramos uns nos outros.
Agora assisto o seu caminhar para um julgamento já definido e não posso fazer nada. A impotência aflige todos nós. Sei das razões políticas para tal ato, mas a alma entristece em ver você pagar mais uma vez por todos nós.
Fique tranquilo, camarada: seus filhos sentirão orgulho de você!
Seus amigos e companheiros falarão de você com brio e dignidade!
É claro que ainda existem recursos para serem usados. É claro que é possível retardar o processo para fazer justiça.
Mas, consumando a condenação, sei que muita gente gostaria de dividir com você o cumprimento da sentença.
Entendo, não é possível.
Então leve nossas memórias e cultive a esperança. Ainda há tempo.
No mais, com altivez e repetindo a crença no amanhã, digo: vá em frente, camarada Zé Dirceu. Nos encontraremos onde estiver um brasileiro lutando por justiça, solidariedade e igualdade.
João Paulo Cunha é advogado e ex-deputado federal (PT-SP)