A cena cultural carioca (ou a falta dela) na Era Crivella

A democracia e o Ministério do Vai dar Merda
24/10/2017
Saúde pública em estado grave
24/10/2017

Em menos de um ano de mandato, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, vem ”podando” a cena cultural da cidade. O Rio de Janeiro da boemia, do happy-hour, da vida noturna, a cada dia mais se torna uma cidade cinza, com o Prefeito colocando suas ideologias à frente para decidir como (e onde) o carioca deve se divertir.

Alexandre Durão / G1

Bem cedo, ainda no início do ano, Crivella já mostrava a que veio. No Carnaval, em fevereiro, ele não compareceu a tradicional cerimônia de entrega das ”chaves” da cidade ao Rei Momo, gesto que inaugura oficialmente o início da folia. Ele também foi o primeiro prefeito a não participar do desfile das escolas de samba no Sambódromo desde sua construção.

Obviamente, não esperava-se que Crivella fosse ”bater ponto” na Sapucaí ou até mesmo desfilasse, como seu antecessor, Eduardo Paes. Ele é bispo-licenciado da Igreja Universal, que condena a participação de seus fiéis em festividades consideradas profanas. No entanto, o ato de entrega das chaves da cidade é um compromisso que Crivella tem enquanto Prefeito da cidade.

Mas o pior ainda estava por vir. Em junho, o prefeito anunciou que reduziria à metade a verba destinada às escolas de samba para o Carnaval de 2018, com a desculpa de aumentar o investimento nas creches municipais. O resultado? Ensaios técnicos cancelados por falta de dinheiro e uma previsão nada otimista das escolas, que terão que procurar soluções pra apresentar um desfile com o mesmo nível de grandiosidade de sempre, mas com metade da verba. Enquanto isso, as creches seguem aguardando as melhorias.

Outro evento onde já se podia prever certa resistência por parte da Prefeitura é a Parada LGBTI, realizada em Copacabana. E não deu outra: em setembro, foi noticiado o corte do financiamento da Parada, a segunda maior do Brasil. Sem poder contar com nenhum centavo da Prefeitura, os organizadores do evento ainda se desdobram para arrecadar os R$600 mil necessários para a sua realização. Antes prevista para o dia 15 deste mês, a Parada teve que ser adiada para o dia 19 de novembro.

 

 

Estabelecimentos cariocas tradicionais também já sofreram com a censura de Crivella. Foi o caso da Boate 00, que há 10 anos realizava uma das festas gays mais conhecidas da cidade. A casa teve a renovação de seu contrato com a Prefeitura condicionada a uma ”mudança de perfil”. Como a tal mudança não ocorreu, a boate, há 18 anos na Gávea, fechou suas portas.

Outra baixa recente foi a do Rivalzinho, bar anexo ao Teatro Rival, no Centro, que há anos promovia happy-hours na rua. A atriz Leandra Leal, responsável pelo estabelecimento, foi informada na semana passada de que a festa estava interditada devido a reclamações de vizinhos por causa do som alto. Ela se defendeu das acusações dizendo que o volume e o horário para o som sempre foram respeitados, e credita a interdição à uma certa ”bipolaridade” dentro da própria Prefeitura.

Ainda falando em censura, o caso mais emblemático até agora foi a proibição da polêmica exposição ”Queermuseu” de ser exibida no Museu de Arte do Rio (MAR). A mostra, após ter sido retirada de cartaz em Porto Alegre devido à pressão do movimento fascista MBL, estava prevista para vir ao Rio, mas foi cancelada após uma determinação pessoal de Crivella, que, não satisfeito, ainda postou em sua página no Facebook um vídeo comentando o caso com a legenda ”É preciso respeitar a família, vamos cuidar das nossas crianças!”.

 

O último golpe de Crivella na cena cultural da cidade aconteceu na tarde do último domingo (22). O Bloco Tambores de Olokun, que há seis anos ensaia no mesmo ponto do Aterro do Flamengo, foi proibido de ensaiar por um agente da Superintendência da Zona Sul, que não soube explicar ao certo o motivo da interdição. Após mais de 1 hora de conversa e negociação, o ensaio foi finalmente realizado.

Tudo isso só nos primeiros 10 meses de governo. O que mais estará por vir? Como será o Carnaval carioca comandado pela Igreja Universal?

Crivella, não confunda suas atribuições. Você é bispo só na Igreja. À frente da cidade, é preciso deixar os fundamentos religiosos de lado e pensar em uma gestão que contemple os gostos, crenças e estilo de vida de toda a população.

Fazemos nossas as palavras da atriz Patrícia Pillar, proferidas no Festival do Rio: a cidade entristeceu.

 

Os comentários estão encerrados.