Duvivier, na Folha
Tinha 16 anos quando votei pela primeira vez pra presidente. Meus pais só votaram pela primeira vez aos 33. Lula votou pela primeira vez aos 43 anos —nele mesmo, imagino. Lula, só percebi agora, até os 70 anos, só tinha votado nele mesmo.
Tirei título de eleitor assim que fiz 16. Não via a hora de votar no Lula —mesmo sabendo que não ganharia nunca. Toda eleição tinha Lula. Toda eleição Lula perdia. Torcia pro Lula mesmo sabendo que ele não ganhava. Já tinha me acostumado: torcia pro Fluminense nos anos 90.
Quando Lula ganhou, parecia que tinha se quebrado um encanto milenar. A culpa —pensava eu— é minha, é nossa, é da nossa geração que veio pra mudar tudo. O Brasil tinha acabado de ganhar a Copa. Até o Fluminense ganhou o Estadual de 2002. Tudo começava —pra mim— a entrar nos eixos —graças a essa geração abençoada que acampava no Fórum Social Mundial e nos bate-papos da UOL.
Aos poucos, entendi que a vitória do Lula tinha pouco a ver com o voto da minha geração —e mais com Duda Mendonça, José Alencar, Emílio Odebrecht. E acho que o carisma do Serra também ajudou. No olhar do jovem que esperava reforma agrária e tributária, Lula se parecia demais com os presidentes anteriores. Gostava mais do Lula que perdia. Achei que o novo Lula, tão pró-banco, tão anti-Lula, tinha conseguido enterrar o lulismo. Ao menos dentro de mim. Ledo engano.
Quando um dono de puteiro diz, sob os aplausos da multidão, que vai dar cerveja de graça por um mês se matarem o Lula na cadeia, fico com vontade de acampar na porta da PF. Cada vez que um comediante de stand-up faz alguma piada bosta com o fato de o Lula ter nove dedos, me dá vontade de cortar um dedo e mergulhar a mão no petróleo.
Cada vez que alguém idolatra um juiz que acha justo ganhar auxílio-moradia mesmo tendo moradia, tenho vontade de tatuar uma estrela no braço. Cada vez que alguém diz que “o bom filho à casa torna”, postando foto de Lula preso pela ditadura, deixando bem claro que as prisões têm razões muito parecidas, eu ponho uma caixa de som na janela tocando “Lula lá/Brilha uma estrela”.
A imbecilidade do antilulismo e tudo o que ele tem de classista, rentista e reacionário estão fazendo o lulismo ressurgir mais forte do que nunca. Parabéns aos envolvidos. Agora dorme com um barulho desses: “Lula lá/Brilha uma estrela/ Lula Lá…”