Esta Lei, desde a Constituição de 1988, beneficia diretamente São Paulo, estado consumidor, na cobrança do ICMS do petróleo, em detrimento dos estados produtores, como o RJ, que produzia quase 85% de todo o petróleo e gás extraídos em solo brasileiro naquela ocasião, tornando SP o maior arrecadador do ICMS do petróleo do Brasil, enquanto o RJ, o maior produtor, é somente o oitavo a esse título.
Na Constituinte de 1988, Serra foi o relator do texto constitucional que definiu exceções às regras de cobrança do ICMS sobre energia elétrica e petróleo (artigo 155 da CF), subvertendo-a em favor de SP, e prejudicando seriamente os cofres do RJ e do ES, produtores de petróleo, e do Paraná, no tocante à energia elétrica. Um dos argumentos utilizados foi o de “compensação ao estado paulista pelo uso intensivo de energia, da qual tinha escassez, mas necessária para a alimentação de seu parque fabril — o maior do País”.
Hoje, por conta da entrada em operação do Pré-Sal, o cenário é muito diferente do observado há cinco anos, por exemplo, quando a Bacia de Campos representava pouco mais de 80% da produção de petróleo e gás, e a de Santos, apenas 7%.
Em junho de 2017, a Bacia de Campos foi responsável por 51% da produção de petróleo do Brasil, enquanto a Bacia de Santos, que segue em crescimento acelerado, incentivada pelo Pré-Sal, somou 43%, segundo dados publicados pela ANP. A partir de 2018 essa situação tende a se inverter e a Bacia de Santos pode tomar de Campos a supremacia na produção de petróleo no Brasil.
Estimativas da fazenda estadual fluminense apontam perdas de receita da ordem de R$ 10 bilhões anuais, que migraram, principalmente para São Paulo, por obra e graça da Lei Serra, numa exceção tributária injusta, inexplicável e cruel.
Se esses recursos fazem falta a qualquer estado, é claro que sim! Desde então o RJ vinha utilizando os recursos provenientes dos royalties do petróleo, em muito menor escala, como se receitas correntes (permanentes) fossem, de maneira equivocada e até irregular, para fazer frente a suas despesas obrigatórias, inclusive no pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores estaduais.
Com a descoberta do Pré-Sal, a partir de 2009 os estados não produtores de petróleo, liderados pelo PT, se mobilizaram para estender a cobrança dos royalties em favor de todos os estados federados, reduzindo-se a fatia do RJ e do ES, nesse particular. Pouco depois, com o desastre da PB, via Petrolão e o uso político-partidário da empresa, os royalties minguaram e com eles a arrecadação tributária proveniente da indústria do petróleo, afetando seriamente o caixa estadual, muito dependente do setor de petróleo e gás, como se sabe.
Os resultados já são conhecidos. Há três anos o RJ está em permanente estado de calamidade pública financeira, onde há falta de tudo e em todos os setores, até para o pagamento de salários, proventos e outros direitos trabalhistas dos servidores ativos e inativos.
Dentre os aliados de Serra nos debates sobre a cobrança do ICMS, no destino, para petróleo e energia elétrica, durante a Constituinte, estavam Sarney e, vejam só, um dos governadores do RJ de hoje, Francisco Dornelles, para quem só havia duas hipóteses na cobrança de imposto sobre energia elétrica e petróleo: (1) ou se mantinha a tributação a cargo da União, através de imposto único; (2) ou dos estados, com o ICMS, “mas desde que, neste caso, a cobrança fosse realizada no destino”, ou seja, nos estados consumidores.
Assim, com o peso político de Serra e de SP, e mais o aval de Sarney, se impôs a pior solução aos estados produtores de energia elétrica e petróleo, desrespeitando-se inclusive o princípio federativo de equidade tributária entre os entes federados.
Ainda se poderia argumentar quanto à possibilidade de reformulação do dispositivo constitucional em questão (art. 155 da CF), de modo a se reparar tamanha injustiça contra os estados produtores de energia elétrica e petróleo, retornando-se a cobrança do ICMS na origem, tal como acontece com todos os demais produtos que integram a base de cálculo deste tributo.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seria o instrumento adequado à alteração daquele dispositivo. Hipótese admissível quando apresentada pelo Presidente da República; por um terço dos deputados federais, ou dos senadores; ou por mais da metade das assembleias legislativas, desde que cada uma delas se manifeste pela maioria relativa de seus componentes. A PEC deve ser discutida e votada em dois turnos, nas duas casas do Congresso (Câmara e Senado), e será aprovada se obtiver, em ambas, três quintos dos votos dos seus membros, 308 deputados e 49 senadores, respectivamente.
Tudo indica, porém, que a tal PEC pode vir a ser uma opção muito difícil, devido à falta de força política do RJ para essa contenda, particularmente na Câmara, que conta com ampla maioria parlamentar de SP. No Senado, a representação estadual está bastante fragilizada, com as atuações díspares dos senadores Lindbergh Farias, Romário e Crivella, este agora ausente do Senado, como prefeito eleito da Cidade do Rio de Janeiro.
Neste particular, parece também não se encaixar a atuação de liderança do governador Pezão na mobilização da bancada fluminense na Câmara Federal, e do próprio PMDB, em busca da revogação daquele dispositivo constitucional esdrúxulo, que pudesse trazer equilíbrio fiscal às contas estaduais.
Imaginava-se, ainda durante o governo de Sérgio Cabral, atualmente preso no âmbito da Operação Lava-Jato, que a orgia de recursos do Pré-Sal, via Petrolão, seria eterna, “para sua fortuna pessoal” e para o tesouro estadual, com o uso abusivo e irregular dos royalties do petróleo.
De maneira nua e crua, eis aí mais uma das principais razões da falência das contas públicas do RJ.
Tendo em vista a aprovação da PEC 0241 que limita o aumento anual dos gastos públicos ao índice de inflação do ano anterior, medido de julho a junho, é possível que se abra espaço para novas reformas, como a tributária, das mais aclamadas e discutidas, engavetada no Congresso há mais de uma década, como inibidora de excrescências como a atual Lei Serra.
Para isso, talvez não seja possível se esperar muito mais tempo. Daqui a pouco, a Bacia de Santos tende a ultrapassar a produção de Campos e os papéis devem se inverter, com o Estado de São Paulo passando a ser o maior produtor de petróleo e gás do Brasil, tornando irrelevante qualquer justificativa plausível à manutenção de exceção tributária torpe, inexplicável e impiedosa.
Mantido o atual regramento constitucional, o RJ sairia duplamente penalizado, em razão também da queda de receita proveniente da arrecadação dos royalties, advindos majoritariamente de campos produtores maduros, cuja produção tende a ser gradativamente menor frente à pujança do Pré-Sal da Bacia de Santos.
O montante arrecadado dos royalties incide sobre o valor da produção do campo produtor de petróleo e é recolhido mensalmente pelas empresas concessionárias por meio de pagamentos efetuados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) até o último dia do mês seguinte àquele em que ocorreu a produção. A STN então os repassa aos beneficiários com base nos cálculos efetuados pela ANP, de acordo com o estabelecido pela legislação pertinente (leis nº 9.478/1997 e nº 7.990/1989, regulamentadas, respectivamente, pelos decretos nº 2.705/1998 e nº 1/1991).
Como fruto de carga tributária elevadíssima incidente sobre os combustíveis cobrados no RJ (ICMS de 32% + 2% referentes ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais — FECP), o consumidor fluminense é obrigado a pagar uma das gasolinas mais caras do País — e do mundo — apesar de ter refinaria instalada em Duque de Caxias e estar próximo a outros estados com unidades de refino como MG e SP.
Ficam, portanto, os senhores deputados e senadores, mandatários do povo do RJ, dois dos quais postulantes à presidência da República, convocados a envidar o empenho necessário para a correção de tamanha distorção constitucional, no interesse da coisa pública estadual.
Mas, não adianta tapar o sol com peneira. O reequilíbrio das contas públicas do RJ não depende apenas da correção dos rumos do ICMS do petróleo. Passa, necessariamente, por medidas reformistas, de cunho estrutural, de sua economia.
Deste modo, entende-se como fundamentais, no curto prazo, a reforma da previdência estadual; a redução do custeio da máquina pública; a reforma fiscal e fazendária, com vistas ao aumento sustentável das receitas públicas, e a reestruturação completa do orçamento estadual, com redistribuição dos recursos de forma mais equânime entre os poderes.
Há que se fazer ainda uma ampla reforma, de caráter político-institucional, visando à redução dos tamanhos do judiciário e do legislativo estaduais, bolsões de privilégios inaceitáveis num Estado à beira do colapso absoluto.
Se nada for feito nesse sentido, o reequilíbrio das contas públicas e a melhoria da qualidade dos serviços essenciais prestados à população, nas áreas de saúde, educação, segurança pública e saneamento básico, continuarão distantes da maioria do povo fluminense. Infelizmente!
Leonardo Condurú é economista aposentado da BR Distribuidora.
Consultor econômico independente.
E-mail: odranoel.urudnoc@gmail.com
Fonte: AEPET