Por Washington Quaquá
Classes sociais são construções históricas. A economia e a luta política de um determinado momento histórico também moldam a configuração de classes. A história é dialética e contraditória. Se é verdade que as classes sociais e suas disputas impulsionam a história social e econômica, também é verdade que elas são moldadas e transformadas pela história.
Então, as classes sociais de um determinando momento histórico são produto das lutas sociais e da estrutura política de cada momento. São, também, obviamente, moldadas a partir da estrutura econômica existente. Nossa burguesia vagabunda e antinacional foi construída e moldada a partir de uma estrutura econômica e política hegemonizada pelos interesses coloniais e imperialistas, que a fez para servir a seus propósitos. Uma burguesia vassala e gerente da coroa portuguesa, depois, do imperialismo inglês, e atualmente norte-americano.
Aqui, nunca houve uma classe social e uma elite dirigente que tenha conseguido, ao se apossar do Estado com um projeto nacional, usá-lo como ponto de partida para reconstruir de cabo a rabo a sociedade. Nossas elites foram moldadas a partir da relação de subordinação e sociedade com o poder do capital externo e dos governos imperialistas. Não houve uma revolução refundadora e nem um processo permanente de reformas que plasmasse uma sociedade nova e um projeto nacional autônomos. Aqui, tudo foi se ajeitando, e de acordo em acordo, se mantendo os interesses coloniais e se preservando uma elite e uma burguesia sem qualidade e sem projeto. Uma burguesia vagabunda, feita gerente de interesses externos, não comandante de um projeto nacional.
Revolucionar a sociedade brasileira, através da tomada violenta e radical do poder (opção que não tomamos) ou construir um ciclo longo e profundo de reformas democráticas e populares, dentro dos marcos de uma institucionalidade também reformada e democratizada pelas forças populares, foi o caminho escolhido pela esquerda brasileira. São dois caminhos de transformação social.
É bom lembrar que, após a democratização que se seguiu à ditadura militar, instituída à força em 1964 e finalizada, por acordo, na década de 80, foi este o caminho escolhido pelo PT e pelo conjunto majoritário da esquerda, lulista ou não, no Brasil. O caminho da luta nos marcos da institucionalidade é o caminho que une desde o PSOL até o PT.
No Brasil, está mais do que provado que são as classes hegemônicas que detém o poder real de Estado, dos aparelhos ideológicos/culturais, dos meios de comunicação e criação de senso comum, que são donos da grana que compra, além de mandar fazer e desfazer. São os verdadeiros donos do Brasil. Eles não estão interessados em construir uma nação e nem possuem qualquer compromisso com a democracia e suas regras. O golpe que destituiu a Dilma só foi mais um exemplo deste bolo que a burguesia sempre deu na democracia e nas classes populares.
Essa nossa burguesia não presta para nada. Não presta para construir um projeto nacional. Não presta para construir uma democracia popular e permanente. Não presta para se desenvolver a economia com distribuição de renda e com inclusão popular. Essa burguesia precisa ser superada. Precisa ser confrontada com sua iniquidade. Precisa ser exportada para seu habitat natural: a improdutiva e fútil vida em Miami ou New York.
As forças populares de posse de parte do Estado, coisa que já estiveram por 12 anos à frente da parcela mais dinâmica do aparelho de Estado, o Governo Federal, devem utilizar todos os seus instrumentos para consolidar a democracia popular. Devem fazê-lo de olho na construção de um projeto nacional democrático e popular. E, para isso, precisam ter também como objetivo a criação, no Brasil, de uma nova burguesia. Uma burguesia surgida das classes subalternas. Uma burguesia que não odeie os pobres, os negros, os índios. Uma burguesia que não odeie o Brasil e que não seja subserviente aos impérios.
Não funcionou (e nem podia funcionar!) tentar amizade com os Odebrecht da vida, ou com os Marinhos, estes, formados e ‘’fornados’’ pela ditadura militar, nem colocar o Estado para ajudar os “irmãos safadão”, os novos bilionários do setor de proteína animal.
Classes se formam através da ação econômica do Estado em qualquer sociedade do mundo, não apenas no Brasil de tradição lusitana. O Estado é um comitê de gerenciamento de negócios burgueses, desde a Inglaterra, a Alemanha ou a França do tempo de Marx. Nossos republicanos paulistas, da tradição uspiana, nada mais são do que produtores de uma ideologia que incapacita o Brasil a construir um Estado que ajude a construir uma nação. Este republicanismo tosco que vende uma neutralidade não humana. Patrona de uma insípida, inodora e incolor ciência social, sem classe e sem objetivos.
De posse do Estado, temos que colocá-lo a serviço da construção de um processo longo de transformação social. De uma nação soberana e desenvolvida. Que melhore muito e sempre a vida de seu povo. Que democratize a terra, a cultura, a comunicação e os saberes. Que desenvolva a nossa tecnologia, a biotecnologia e todas as nossas sabedorias ancestrais e produtos da biodiversidade natural. Que construa o grande Brasil sonhado por gerações. Que nos ponha no horizonte a construção do socialismo democrático e popular.
O socialismo, como sociedade humana de transição, maximiza igualdade mas convive com desigualdades e misérias humanas. O comunismo como reino das necessidades é um horizonte utópico que será, algum dia, quem sabe, alcançado, depois de percorrermos um longo caminho socialista a ser pavimentado. Este socialismo que se aprofunda com a luta de classes é uma sociedade de melhoramentos contínuos da economia, da cultura, da política e da alma humana. Nele, conviveremos o velho com o novo para que este se imponha na dialética social e na democracia popular.
Conviveremos, nesse período longo, com mercado, luta de classes, burguesia, povo trabalhador. É um Estado que precisa ser hegemonizado pelas forças populares e democráticas que tenham um exército de povo militante que sustente as mudanças e garanta a posse do Estado democratizado. Este Estado sob nossa hegemonia é instrumento de reformas e refundações sociais e econômicas. É a partir dele que temos, inclusive, que criar uma nova burguesia brasileira. Aproveitemos o tempo de reformas e vamos demitir a atual burguesia. Coloquemos uma placa na porta de entrada da nação: há vagas para burgueses…
Washington Quaquá é presidente estadual do PT e foi prefeito de Maricá/RJ por 8 anos.