Entrevista com Rafaela Albegaria

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Bruna Rodrigues e Amanda Lima

Rafaela Albegaria teve seu coração despertado para a luta pelos transportes públicos quando sua prima Joana Bonifácio Gouveia foi morta nos trens metropolitanos. Ela e sua família iniciaram uma longa jornada por justiça e memória, uma batalha que inspirou a criação do Observatório dos Trens. Além disso, Rafaela é a assistente social (a primeira da família a ingressar na universidade) e articuladora do movimento Mulheres Negras Decidem. Esse ano, ela decidiu colocar sua trajetória à disposição do povo do Rio de Janeiro como pré-candidata a deputada estadual. Conversamos um pouco com ela sobre esse grande desafio, a esperança de ver Lula presidente e os planos para a construção de um estado mais acessível e com transporte público de qualidade.

1-  Conte um pouco da sua história e como você chegou até a pré-candidatura pelo Partido dos Trabalhadores.

Rafaela: Eu sou uma mulher jovem negra e migrante. Minha família vem para o Rio de Janeiro num percurso muito similar às famílias negras que estavam trabalhando na lavoura. Nasci em uma lavoura, que foi a primeira usina de cana de açúcar de Minas Gerais. Minhas tias vieram para cá para trabalhar nas casas de famílias dos donos da usina de cana de açúcar, nas casas de veraneios. Eu me mudei com 17 anos, vai fazer 17 anos que eu moro no Rio. E eu sempre militei, entrei pra universidade, fui do movimento estudantil, lutei pelas cotas na graduação, iniciei o processo de cotas raciais na pós-graduação. Sempre tentei fazer da minha militância, da minha construção profissional associada ao projeto político que eu acreditava, que é o projeto que enfrenta a desigualdade, que enfrenta as opressões, o racismo estrutural. Então, os espaços que tive sempre foram nesse sentido. Eu sou do movimento que se chama mulheres negras decidem, que é um movimento que nasce no final de 2017 e início de 2018, e que tem falado sobre a necessidade de se mudar o quadro da política institucional. A Vilma Reais que é uma referência, fala sobre a necessidade de mudar o retrato da política institucional no Brasil, por que isso não fala só de representação e identidade, isso fala sobre algo que é muito material. Não estamos dentro dos espaços que decidem sobre as políticas, que definem as nossas possibilidades de existência, produz-se a morte pelo apagamento. Durante a pandemia, grande parte das articuladoras políticas desse movimento, que são em sua maioria liderança dos seus territórios, são territórios de periferias e favelas, estiveram à frente das respostas à crise. Então, levantaram alimentos, itens de higiene para atender a população que estava na situação de miséria, de fome, de desemprego. As mulheres negras estiveram à frente inclusive das pesquisas que culminaram nas respostas, nas soluções, nas saídas, no tratamento da covid, nas vacinas, em codificar a covid. Então, entendemos que a derrota do bolsonarismo, o questionamento e a elucidação do bolsonarismo, que representa o governo da fome, da miséria e da morte passou pela ação dessas mulheres negras. E que a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo nas urnas também passaria pelo protagonismo dessas mulheres. Foi assim que começamos a conversar sobre isso, sobre construir candidaturas de mulheres jovens negras que estão historicamente nesse lugar para disputar o âmago da política institucional, por que entendemos que a política institucional decide sobre a nossa possibilidade de existência e quando se decide isso fica-se pensando: qual partido faria sentido? A maioria das mulheres que compõem esse movimento são mulheres que são as primeiras a entrar na universidade, que entraram nas universidades a partir das políticas do PT, da política de ampliação da universidade, das políticas de ações afirmativas. Então, a história dessas mulheres é a história também do PT. Mas também somos atravessadas por uma série de violências que também foram construídas dentro dos governos do PT. Por exemplo, eu sou a primeira pessoa da família a acessar à universidade, acesso à universidade a partir da política de ampliação da universidade, mas desde 2012 tenho um irmão preso por causa da política de drogas que também foi aprovada pelo PT. Então, quando olhamos qual o projeto que nos dá esperança de derrotar o bolsonarismo, vemos que saída é Lula. Mas não queremos só fortalecer esse projeto, queremos disputar para que esse projeto saia vitorioso do processo eleitoral, mas também que nos próximos governos de Lula consigamos aprofundar respostas que possam garantir as vidas das populações negras, periféricas, de favela, que historicamente são populações que são abarcadas por políticas de morte, por políticas de interdição, de violência.  A opção pelo PT é uma escolha coletiva das mulheres negras que vão às urnas, as mulheres que vão eleger Lula são mais de 28% da população. Precisamos não só eleger o novo governo, mas construir o páreo a páreo sobre quais que são os direcionamentos, as políticas que vão ser implementadas por esse novo governo.

2- Quais são as suas principais bandeiras lutas e como pretende defendê-las?

Rafaela: Nós temos a grande bandeira que articula os outros eixos da campanha, que é mobilidade e direito à cidade. Eu tenho discutido mobilidade desde 2017, a minha prima foi morta, atropelada pelo trem quando ia para faculdade, no dia 24 de abril de 2017. Além de ter sido morta de forma brutal, ela foi entrar no trem, a porta fechou, prendeu o corpo dela, arrastou ela por mais de 20 metros, deixou o corpo dela partido na linha do trem por mais de 8 horas. A Supervia ainda disse que era suicídio para não ter que pagar uma multa. Então, eu e minha família começamos a lutar por justiça, por verdade, por memória, e a partir das pesquisas que comecei a fazer descobri que em 2018 duas pessoas foram mortas por semana, atropeladas pelo trem. Desde então eu tenho pautado e discutido sobre o sistema ferroviário e entendo inclusive que se fosse garantida essa acessibilidade para qualquer pessoa, para uma pessoa com deficiência, qualquer que seja, se conseguíssemos chegar de forma segura nos trens, a Joana não teria morrido, a Joana, que não tinha nenhuma dificuldade de mobilidade, não teria morrido. Entendi que conseguir cidades acessíveis é garantir a segurança de todos. E a mobilidade é a forma como se reproduz e se aprofunda a desigualdade. O transporte é o meio que nos permite acessar todas as outras políticas, pra ir pra uma consulta médica, pra ir à universidade, pra ir buscar emprego, pra chegar no emprego temos que nos deslocar pelo espaço. E no Rio de Janeiro, que é dos estados mais concentradores de oportunidades, na capital, no centro da cidade, na zona sul. O transporte, se coloca como algo que aprofunda a desigualdade. Depois de uma crise pandêmica, o Rio de janeiro tem mais de 2 milhões de pessoas passando fome. Em grande parte, a solução dessa situação passa por essas pessoas conseguirem acessar o emprego, conseguirem acessar oportunidades. Mas só que para elas conseguirem procurar emprego elas precisam ter, no mínimo, R$17,10 no bolso para pagar passagem. Então, não dá para ter um transporte que se coloca como um limitador para pessoas conseguirem usufruir da cidade, usufruir de vida, de garantia de trabalho, de educação. Então, esse é o grande eixo da nossa campanha: como pensamos esse debate de mobilidade associado aos trens, que é o único modal que atravessa os 12 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, municípios que são majoritariamente pobres, são muito negros, não só municípios como bairros da capital do Rio e que resolve também a questão da crise climática. Investimento em transporte mais eficiente, com baixa emissão de carbono ou que zere a emissão de carbono.

3- Você colocou aí o transporte público, o direito do cidadão de ir e vir, como a sua pauta principal. De que maneira você pretende defender essa pauta?

Rafaela:  Temos hoje uma malha ferroviária muito extensa e com uma demanda para requalificação e ampliação. Essas duas medidas passam por reaquecer economia. Por que os municípios da região metropolitana do Rio nascem ao entorno do trem, não só os municípios como os bairros. Então, conseguir requalificar e investir na malha ferroviária, no transporte mais eficiente é também reaquecer o mercado é reaquecer a economia, é criar novas oportunidades, centralidades. Hoje no Rio de Janeiro temos um deslocamento pendular de quase duas milhões de pessoas, que chegam no centro da cidade pra alcançar emprego e passam por várias violências. Os trabalhadores perdem, no mínimo, em média na verdade, um mês por ano dentro do transporte público. É um mês a menos que eles têm de descanso, um mês a menos de tempo com a família. E quem pega trem sabe que a lógica é de muita violência. É comum ver as mulheres falando sobre as varizes por tanto tempo que ficam em pé no trem. É comum você ouvir as pessoas falando de uma série de violências, assédio, sobre queda no vão entre o trem e a plataforma, uma série de violências que acontecem no interior do transporte público. E é possível resolver isso, pois existe uma série de fundos internacionais que estão captando recursos para resolver a crise climática e o transporte é a grande resposta para as estratégias de mitigação dessa crise. Tem recurso para isso! Sou fundadora do Observatório dos Trens. Através dele trazemos uma projeção de quanto custaria para fazer a requalificação, garantir obras de acessibilidade nas 96 estações que não têm estrutura de acessibilidade. Por exemplo, com o dinheiro da outorga da CEDAE, da venda da CEDAE, é possível fazer essa requalificação do sistema ferroviário de uma forma geral. E essas pessoas que se deslocam diariamente para acessar emprego e oportunidades no estado do Rio, acessam seus empregos no setor de serviços, que é um setor que não mobiliza maquinário constante, nem tem que mobilizar uma estrutura industrial que é muito mais cara. Então, isso fala sobre a possibilidade de aquecer a economia nos municípios da Baixada Fluminense, a partir da requalificação dos trens. Criar, gerar emprego, reaquecer a economia, ampliar o setor de serviços desses municípios, criar outras centralidades, desconcentrar as oportunidades e impactar de forma bastante efetiva nas desigualdades sociais, isso tudo passa por pensar num estado integrado, criar um ente metropolitano, conseguir fazer um diálogo entre os diferentes municípios, diferentes espaços da cidade, para pactuar interesses, para criar oportunidades e pensar de forma integrada o transporte. Dessa forma vemos que há uma série de resoluções que passam pela requalificação do sistema ferroviário e é possível. Já tem sido mapeado uma série de soluções para se fazer isso. Para esse sonho se tornar realidade é necessário investimento e parceria com o governo federal, investimento na ampliação do transporte sobre trilho para ampliar as oportunidades e para recolocar, na verdade o Brasil, que é um país estratégico no debate de resolutividade da crise climática. O Rio de Janeiro pode ser a ponte, pode ser um exemplo no mundo inteiro de requalificação e de estratégia de mitigação da crise climática a partir do investimento no sistema ferroviário e no sistema sobre trilhos.

4- Rafaela, fale agora um pouco sobre a sua experiência com o partido dos trabalhadores.

Rafaela: Eu sou fruto das políticas, dos governos do PT. Eu sou a primeira pessoa da família a entrar na universidade. Tive oportunidade e trabalhei em espaços que foram possíveis a partir das políticas educacionais, a partir de políticas de transferências de renda. Eu acessei acho que quase todas as políticas que foram produzidas pelo governo do PT. Então eu sou uma mulher que sofreu inúmeras violências. Acessei os equipamentos de atendimentos às mulheres em situação de violência, que vem das políticas para a mulher, da política de enfretamento para a mulher que foram construídas durante os governos do PT. Acessei as políticas e lutei pela implementação de políticas de ações afirmativas em todos os espaços onde eu trabalhei, na pós-graduação, na graduação no comitê nacional de prevenção e combate à tortura. É isso: o PT é o maior partido de esquerda da América Latina. Isso fala sobre uma esperança de retomar a democracia e essa esperança está localizada na eleição de Lula, na eleição de bancadas de deputados estaduais, de deputados federais que estejam comprometidos com a efetivação desses princípios democráticos. Temos muitos desafios a frente. Eu venho para o PT e esse grupo que vem comigo é do movimento de mulheres negras, viemos dispostos a construir esse partido, a despertar o partido para a necessidade de valorizarmos o protagonismo das mulheres negras. Foram essas mulheres que construíram o mundo. Desde o processo de escravização elas criam os filhos daqueles que vão decidir sobre as políticas públicas, são essas mulheres que criam, que criam o mundo a partir do cuidado, essas mulheres devem também decidir sobre as estratégias, sobre as políticas que garantam a existência do nosso povo. Sabemos que os partidos são reflexos da sociedade. Estamos dispostos a construir esse enfrentamento, construir de forma conjunta essa nova realidade, essa nova sociabilidade que garanta direitos para as populações que historicamente foram excluídas da possibilidade de cidadania real. Queremos garantir de fato para essa população os direitos trabalhistas e previdenciários. Por que que por mais que estejamos num momento de desconstrução desses direitos, tem uma grande parcela da população que nunca acessou esses direitos, que são populações majoritariamente pobres, pretas, periféricas e de favelas. Então acho que essa experiência é muito desafiadora. Como ganhamos o partido para entender a necessidade de nos aproximarmos cada vez mais desses movimentos que têm disputado, lutado historicamente por liberdade. Desde o processo colonial essas lideranças históricas estão aí, as lideranças dos quilombos dos Palmares! Haviam mulheres a frente desses exércitos, mulheres a frente dos projetos políticos, como Tereza de Benguela, Dandara, Aqualtune. Então esse é o desafio, essa é a tarefa que quero comprimir no partido.

5- Eu vou dizer uma palavra e você me diz o que vem na sua cabeça. Tá?

PT-RJ: Mulher

Rafaela: O mundo.

PT-RJ: Transporte público

Rafaela: Essencial.

PT-RJ: Direitos

Rafaela: Ampliação.

PT-RJ: Bolsonaro

Rafaela: morte.

PT-RJ: Lula

Rafaela: esperança.

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